sábado, 28 de junho de 2008

7 Empresas controlam a produção de alimentos no mundo... A necessidade humana privatizada - "Você pode comer dinheiro?"

Os sete MiToS mortais da Agricultura Industrial

Com refutações claras e diretas, de forma sintética, os sete mitos centrais da agricultura industrial.

1 – Mito - "A agricultura industrial vai alimentar o mundo inteiro"
A verdade: A fome no mundo não resulta da falta de alimentos, mas sim da pobreza e dos sem-terra, situação que nega o acesso à alimentação. Na realidade, a agricultura industrial aumenta a fome no mundo ao fazer subir os custos da lavoura, ao expulsar dezenas de milhões de agricultores das suas terras de cultivo e ao incrementar sobretudo, as exportações de lucros elevados e as colheitas faustosas.
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2 – Mito - "Os alimentos industriais são seguros, saudáveis e nutritivos"
A verdade: A agricultura industrial contamina com pesticidas os legumes e as frutas, introduz bactérias perigosas nas alfaces e coloca no leite hormônios de crescimento geneticamente processadas. Não é, pois, surpreendente que estejam a aumentar o cancro, as doenças provocadas pelos alimentos e a obesidade.
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3 – Mito - "Os alimentos industriais são baratos"
A verdade: Se aduzíssemos os custos efetivos dos alimentos industriais, os seus custos sanitários, ambientais e sociais, aos preços correntemente praticados pelos supermercados, nem sequer as pessoas mais ricas os poderiam comprar.
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4 - Mito - "A agricultura industrial é eficiente"
A verdade: Os pequenos agricultores têm mais rendimento agrícola por área cultivada do que as grandes empresas. Além disso, propriedades maiores e menos diversificadas requerem muito mais investimentos mecânicos e químicos. Estes investimentos, que aumentam constantemente, estão a devastar o ambiente e tornam estas unidades de produção muito menos eficientes do que as propriedades menores e mais sustentáveis.
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5 – Mito - Os alimentos industriais dão mais opções.
A verdade: Aquilo que o consumidor efetivamente adquire no supermercado é uma escolha ilusória. A etiquetagem nem sequer nos diz que pesticidas se encontram nos alimentos que compramos ou que produtos foram geneticamente processados. Mais: o mito da escolha disfarça a perda trágica, causada pela agricultura industrial, de dezenas de milhares de variedades de sementes.
6 – Mito - "A agricultura industrial beneficia o meio ambiente e a vida selvagem"
A verdade: A agro-indústria constitui a maior ameaça singular à biodiversidade da Terra. As técnicas de lavra, plantio e colheita sobvedação dizimam os habitats de vida selvagem, ao mesmo tempo que o emprego maciço de químicos envenena o solo e a água, aniquilando incontáveis grupos de plantas e animais.
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7 – Mito - "A biotecnologia solucionará os problemas da agriculturaindustrial"
A verdade: As novas sementes biotecnológicas não só não solucionarão os problemas da agro-indústria, como os irão agravar, pondo o poder do abastecimento mundial de alimentos nas mãos de um punhado de enormes empresas. A biotecnologia destruirá a biodiversidade e a segurança alimentar, expulsando das suas terras os agricultores auto-suficientes.
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Extraído de Fatal Harvest: The Tragedy of Industrial Agriculture, obracoletiva sob a direção de Andrew Kimrell, Island Press, Chicago, 2005
(www.islandpress.org)
O fim do agricultor... destruido e substituido por máquinas, químicos, venenos e cifras vorazes e devoradoras de homens!

segunda-feira, 16 de junho de 2008

As palavras manifestam-se!


Prostibular – Prostituição para calar - Deixe de ser quem você é. Obedeça ao sistema. Não pense, não fale, decore, decore, decore os espaços com mentes vazias.
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Autoridade – Auto + idade – A idade de ser próprio, de tomar-se para si mesmo, cortando os cordõezinhos que lhe obrigam a não ser você mesmo. Pela única autoridade humana, a de cada um sobre si.

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Representação – A tentação da repressão – Repressão tentadora – Repres(são)+(t)entação – Não nos deixemos reprimir. Sejamos nós mesmos, seres dotados de autocrítica e reflexão construtiva.

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Solidariedade – Solidez + idade – A idade de sermos sólidos, alicerces para apoiar, ajudar e desenvolver o próximo e com ele, construindo uma sociedade justa e firme, opondo-se à instável imposição da injustiça.

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Ecológico – Casa racional – Eco (casa) + Lógica (razão). Sejamos racionais e preservemos nossa vida, toda a vida presente no universo limitado que nos cerca chamado Terra.

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Protagonismo – Prota (protótipo, primeiro) + Gonismo, Gonia (Agonia, estreitamento, opressão) – A primeira sensação da agonia da repressão, gerando ação libertadora. Protagonista é aquele que primeiro abre-se para a dor das pessoas oprimidas e busca amá-los e mudar junto com eles para um mundo sem tal opressão.

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Consumismo – Consumo de si mesmo – Degredar, exaurir, esgotar, destruir a si mesmo, e por conseqüência, a todos que vivem em sociedade.

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Acumulação de capital – O cúmulo da inanição das cabeças (capital)

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(ter) Propriedade Privada – Ter certeza – e preferir- (propriedade) o buraco para onde vão as fazes, decrepitudes, sujeiras, refugo, lixo, rejeitos... sujeitos... (privada) – Traduzindo – Suicídio.

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Floresta de pedra – Grande área urbana onde animais supra-selvagens buscam irracionalmente a destruição geral para o mal estar geral, obedientes ao Sistema, prostituidos ao Sistema. Junção do consumismo de todos, com a tentação pela repressão, a própria repressão que já tentou e conseguiu a inanição de todas as cabeças suicidas.

É só o amor, é só o amor...


Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua do anjos
Sem amor, eu nada seria...
(...)

Estou acordado
E todos dormem, todos dormem
Todos dormem
Agora vejo em parte
Mas então veremos face a face
É só o amor, é só o amor
Que conhece o que é verdade...

Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua do anjos
Sem amor, eu nada seria...

(Monte Castelo - Legião Urbana - baseado na epístola de São Paulo)

Programa Anarquista - Errico Malatesta - Parte 1

1. O que queremos

Acreditamos que a maioria dos males que afligem os homens decorre da má organização social; e que os homens, por sua vontade e seu saber, podem fazê-los desaparecer.

A sociedade atual é o resultado das lutas seculares que os homens empreenderam entre si. Desconheceram as vantagens que podiam resultar para todos da cooperação e da solidariedade.

Viram em cada um de seus semelhantes (exceto, no máximo, os membros de sua família) um concorrente e um inimigo. E procuraram açambarcar, cada um por si, a maior quantidade de prazeres possível, sem se preocuparem com os interesses alheios.

Nesta luta, é óbvio, os mais fortes e os mais afortunados deviam vencer, e, de diferentes maneiras, explorar e oprimir os vencidos.

Enquanto o homem não foi capaz de produzir mais do que o estritamente necessário para sua sobrevivência, os vencedores só podiam afugentar e massacrar os vencidos, e se apoderar dos alimentos colhidos.

Em seguida – quando, com a descoberta da pecuária e da agricultura, o homem soube produzir mais do que precisava para viver – os vencedores acharam mais cômodo reduzir os vencidos à servidão e fazê-los trabalhar para eles.

Mais tarde, os vencedores acharam mais vantajoso, mais eficaz e mais seguro explorar o trabalho alheio por outro sistema: conservar para si a propriedade exclusiva da terra e de todos os instrumentos de trabalho, e conceder uma liberdade aparente aos deserdados. Estes, não tendo os meios para viver, eram obrigados a recorrer aos proprietários e a trabalhar para eles, sob as condições que eles lhes fixavam.

Deste modo, pouco a pouco, através de uma rede complicada de lutas de todos os tipos, invasões, guerras, rebeliões, repressões, concessões feitas e retomadas, associação dos vencidos, unidos para se defenderem, e dos vencedores, para atacarem, chegou-se ao estado atual da sociedade, em que alguns homens detêm hereditariamente a terra e todas as riquezas sociais, enquanto a grande massa, privada de tudo, é frustrada e oprimida por um punhado de proprietários.

Disto depende o estado de miséria em que se encontram geralmente os trabalhadores, e todos os males decorrentes: ignorância, crime, prostituição, definhamento físico, abjeção moral, morte prematura. Daí a constituição de uma classe especial (o governo) que, provida dos meios materiais de repressão, tem por missão legalizar e defender os proprietários contra as reivindicações do proletariado. Ele se serve, em seguida, da força que possui para arrogar-se privilégios e submeter, se ela pode fazê-lo, à sua própria supremacia, a classe dos proprietários. Disso decorre a formação de outra classe especial (o clero), que por uma série de fábulas relativas à vontade de Deus, à vida futura, etc, procura conduzir os oprimidos a suportarem docilmente o opressor, o governo, os interesses dos proprietários e os seus próprios. Daí decorre a formação de uma ciência oficial que é, em tudo o que pode servir os interesses dos dominadores, a negação da verdadeira ciência. Daí o espírito patriótico, os ódios raciais, as guerras e as pazes armadas, mais desastrosas do que as próprias guerras. O amor transformado em negócio ignóbil. O ódio mais ou menos latente, a rivalidade, a desconfiança, a incerteza e o medo entre os seres humanos.

Queremos mudar radicalmente tal estado de coisas. E visto que todos estes males derivam da busca do bem-estar perseguido por cada um por si e contra todos, queremos dar-lhe uma solução, substituindo o ódio pelo amor, a concorrência pela solidariedade, a busca exclusiva do bem-estar pela cooperação, a opressão pela liberdade, a mentira religiosa e pseudocientífica pela verdade.

Em conseqüência:

1) Abolição da propriedade privada da terra, das matérias-primas e dos instrumentos de trabalho – para que ninguém disponha de meio de viver pela exploração do trabalho alheio –, e que todos, assegurados dos meios de produzir e de viver, sejam de fato independentes e possam associar-se livremente, uns aos outros, no interesse comum e conforme as simpatias pessoais.

2) Abolição do governo e de todo poder que faça a lei para impô-la aos outros: portanto, abolição das monarquias, repúblicas, parlamentos, exércitos, polícias, magistraturas e toda instituição que possua meios coercitivos.

3) Organização da vida social por meio das associações livres e das federações de produtores e consumidores, criadas e modificadas segundo a vontade dos membros, guiadas pela ciência e pela experiência, liberta de toda obrigação que não derive das necessidades naturais, às quais todos se submetem de bom grado quando reconhecem seu caráter inelutável.

4) Garantia dos meios de vida, de desenvolvimento, de bem-estar às crianças e a todos aqueles que são incapazes de prover sua existência.

5) Guerra às religiões (quando tomadas como formas de alienação) e todas as mentiras, mesmo que elas se ocultem, sob o manto da ciência. Instrução científica para todos, até os graus mais elevados.

6) Guerra ao patriotismo. Abolição das fronteiras, fraternidade entre todos os povos.

7) Reconstrução da família, de tal forma que ela resulte da prática do amor, liberto de todo laço legal, de toda opressão econômica ou física, de todo preconceito religioso.

Tal é o nosso ideal.

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1903
O texto foi publicado em 1903, sob o título Nosso Programa, por um grupo italiano dos Estados Unidos. Em 1920, ele foi inteiramente aceito pelo congresso da Unione Anarchica Italiana de 1 a 4 de julho. O primeiro parágrafo não aparece em 1920 e os subtítulos são, ao contrário, dessa época.

Programa Anarquista - Errico Malatesta - Parte 2

2. Vias e meios

Até agora expusemos qual é o objetivo que queremos atingir, o ideal pelo qual lutamos.

Mas não basta desejar uma coisa: se se quer obtê-la, é preciso, sem dúvida, empregar os meios adaptativos à sua realização. E esses meios não são arbitrários: derivam necessariamente dos fins a que nos propomos e das circunstâncias nas quais lutamos. Enganando-nos na escolha dos meios, não alcançamos o objetivo contemplado, mas, ao contrário, afastamo-nos dele rumo a realidades freqüentes opostas, e que são a conseqüência natural e necessária aos métodos que empregamos. Quem se opõe a caminho e se engana de estrada, não vai aonde quer, mas aonde o conduz o caminho tomado.

É preciso dizer, portanto, quais são os meios que, segundo nossa opinião, conduzem ao nosso ideal, e que intencionamos empregar.

Nosso ideal não é daqueles cuja plena realização depende do indivíduo considerado de modo isolado. Trata-se de mudar o modo de viver em sociedade: estabelecer entre os homens relações de amor e solidariedade, realizar a plenitude do desenvolvimento material, moral e intelectual, não para o indivíduo isolado, não para os membros de certa classe ou de certo partido, mas para todos os seres humanos. Esta transformação não é medida que se possa impor pela força; deve surgir da consciência esclarecida de cada um, para se manifestar, de fato, pelo livre consentimento de todos.

Nossa primeira tarefa deve ser, portanto, persuadir as pessoas.

É necessário atrair a atenção dos homens para os males que sofrem, e para a possibilidade de destruí-los. É preciso que suscitemos em cada um a simpatia pelos sofrimentos alheios, e o vivo desejo pelo bem de todos.

A quem tem fome e frio, mostraremos que seria possível e fácil assegurar a todos a satisfação das necessidades materiais. A quem é oprimido e desprezado, diremos como se pode viver de modo feliz em uma sociedade de livres e iguais. A quem é atormentado pelo ódio e pelo rancor, indicaremos o caminho para encontrar o amor por seus semelhantes, a paz e a alegria do coração.

E quando tivermos obtido êxito em disseminar na alma dos homens o sentimento da revolta contra os males injustos e inevitáveis, dos quais se sofre na sociedade atual, e em fazer compreender quais são suas causas e como depende da vontade humana eliminá-las; quando tivermos inspirado o desejo vivo e ardente de transformar a sociedade para o bem de todos, então os convictos, por impulso próprio e pela persuasão daqueles que os precederam na convicção, se unirão, desejarão e poderão por em prática o ideal comum.

Seria – já o dissemos – absurdo e em contradição com nosso objetivo querer impor a liberdade, o amor entre os homens, o desenvolvimento integral de todas as faculdades humanas pela força. É preciso contar com a livre vontade dos outros, e a única coisa que podemos fazer é provocar a formação e a manifestação desta vontade. Mas seria da mesma forma absurdo e em contradição com nosso objetivo admitir que aqueles que não pensam como nós impedem-nos de realizar nossa vontade, visto que não os privamos do direito a uma liberdade igual à nossa.

Liberdade, portanto, para todos, de propagar e experimentar suas próprias idéias, sem outros limites senão os que resultam naturalmente da igual liberdade de todos.

Mas a isto se opõem, pela força brutal, os beneficiários dos privilégios atuais, que dominam e regulam toda a vida social presente.

Eles controlam todos os meios de produção: suprimem, assim, não somente a possibilidade de aplicar novas formas de vida social, o direito dos trabalhadores de viverem livremente de seu trabalho, mas também o próprio direito à existência. Obrigam os não-proprietários a se deixarem explorar e oprimir, se não quiserem morrer de fome.

Os privilegiados têm as polícias, as magistraturas, os exércitos, criados de propósito para defendê-los, e para perseguir, encarcerar, massacrar os oponentes.

Mesmo deixando de lado a experiência histórica, que nos demonstra que nunca uma classe privilegiada despojou-se, total ou parcialmente, de seus privilégios e que nunca um governo abandonou o poder sem ser obrigado a fazê-lo pela força, os fatos contemporâneos bastam para convencer quem quer que seja de que os governos e os burgueses procuram usar a força material para sua defesa, não somente contra a expropriação total, mas contra as mínimas reivindicações populares, e estão sempre prontos a recorrer às perseguições mais atrozes, aos massacres mais sangrentos.

Ao povo que quer se emancipar, só resta uma saída: opor violência a violência.

Disso resulta que devemos trabalhar para despertar nos oprimidos o vivo desejo de uma transformação radical da sociedade, e persuadi-los de que, unindo-se possuem a força de vencer. Devemos propagar nosso ideal e preparar as forças morais e materiais necessárias para vencer as forças inimigas e organizar a nova sociedade. Quando tivermos força suficiente, deveremos, aproveitando as circunstâncias favoráveis que se produzirão, ou que nós mesmos provocaremos, fazer a revolução social: derrubar pela força o governo, expropriar pela força os proprietários, tornar comuns os meios de subsistência e de produção, e impedir que novos governantes venham impor sua vontade e opor-se à reorganização social, feita diretamente pelos interessados.

Tudo isso é, entretanto, menos simples do que parece à primeira vista. Relacionamo-nos com os homens tais como são na sociedade atual, em condições morais e materiais muito desfavoráveis; e nos enganaríamos ao pensar que a propaganda é suficiente para elevá-los ao nível de desenvolvimento intelectual e moral necessário à realização de nosso ideal.

Entre o homem e a ambiência social há uma ação recíproca. Os homens fazem a sociedade tal como é, e a sociedade faz os homens tais como são, resultando disso um tipo de círculo vicioso: para transformar a sociedade é preciso transformar os homens, e para transformar os homens é preciso transformar a sociedade.

A miséria embrutece o homem e, para destruir a miséria, é preciso que os homens possuam a consciência e a vontade. A escravidão ensina os homens a serem servis, e para se libertar da escravidão é preciso homens que aspirem à liberdade. A ignorância faz com que os homens não conheçam as causas de seus males e não saibam remediar esta situação; para destruir a ignorância, seria necessário que os homens tivessem tempo e meios de se instruírem.
O governo habitua as pessoas a sofrerem a lei e a crerem que ela é necessária à sociedade; para abolir o governo é preciso que os homens estejam persuadidos da inutilidade e da nocividade dele.

Como sair deste impasse?

Felizmente, a sociedade atual não foi formada pela clara vontade de uma classe dominante que teria sabido reduzir todos os dominados ao estado de instrumentos passivos, inconscientes de seus interesses. A sociedade atual é a resultante de mil lutas intestinas, de mil fatores naturais e humanos, agindo ao acaso, sem direção consciente; enfim, não há nenhuma divisão clara, absoluta, entre indivíduos, nem entre classes.

As variedades das condições materiais são infinitas; infinitos os graus de desenvolvimento moral e intelectual. É até mesmo muito raro que a função de cada um na sociedade corresponda às suas faculdades e às suas aspirações. Com freqüência, homens caem em condições inferiores àquelas que eram as suas; outros, por circunstâncias particularmente favoráveis, conseguem elevar-se acima do nível em que nasceram. Uma parte considerável do proletariado já conseguiu sair do estado de miséria absoluta, embrutecedora, a que nunca deveria ter sido reduzido. Nenhum trabalhador, ou quase nenhum, encontra-se em estado de inconsciência completa, de aquiescência total às condições criadas pelos patrões. E as próprias instituições, que são produtos da história, contêm contradições orgânicas que são como germes letais, cujo desenvolvimento traz a dissolução da estrutura social e a necessidade de sua transformação.

Assim, a possibilidade de progresso existe. Mas não a possibilidade de conduzir, somente pela propaganda, todos os homens ao nível necessário para que possamos realizar a anarquia, sem uma transformação gradual prévia do meio.

O progresso deve caminhar simultânea e paralelamente entre os indivíduos e no meio social. Devemos aproveitar todos os meios, todas as possibilidades, todas as ocasiões que o meio atual nos deixa para agir sobre os homens e desenvolver sua consciência e suas aspirações. Devemos utilizar todos os progressos realizados na consciência dos homens para levá-los a reclamar e a impor as maiores transformações sociais hoje possíveis, ou aquelas que melhor servirão para abrir caminho a progressos ulteriores.

Não devemos somente esperar poder realizar a anarquia; e, enquanto esperamos, limitar-nos à propaganda pura e simples. Se agirmos assim, teremos, em breve, esgotado nosso campo de ação. Teremos convencido, sem dúvida, todos aqueles a que as circunstâncias do meio atual tornam suscetíveis de compreender e aceitar nossas idéias, todavia, nossa propaganda ulterior permaneceria estéril. E, mesmo que as transformações do meio elevassem novas camadas populares à possibilidade de conceber novas idéias, isto aconteceria sem nosso trabalho, e mesmo contra, em prejuízo, como conseqüência, de nossas idéias.

Devemos fazer com que o povo, em sua totalidade e em suas diferentes frações, exija, imponha e realize, ele próprio, todas as melhorias, todas as liberdades que deseja, na medida em que concebe a necessidade disso e que adquire a força para impô-las. Assim, propagando sempre nosso programa integral e lutando de forma incessante por sua completa realização, devemos incitar o povo a reivindicar e impor cada vez mais, até que ele consiga a sua emancipação definitiva.

Programa Anarquista - Errico Malatesta - Parte 3


3. A luta econômica

A opressão que hoje pesa de uma forma mais direta sobre os trabalhadores, e que é a causa principal de todas as sujeições morais e materiais que eles sofrem, é a opressão econômica, quer dizer, a exploração que os patrões e os comerciantes exercem sobre o trabalho, graças ao açambarcamento de todos os grandes meios de produção e de troca.

Para suprimir radicalmente e sem retorno possível esta exploração, é preciso que o povo, em seu conjunto, esteja convencido de que possui o uso dos meios de produção, e de que aplica este direito primordial explorando aqueles que monopolizam o solo e a riqueza social, para colocá-los à disposição de todos.

Todavia, é possível passar direto, sem graus intermediários, do inferno onde vive hoje o proletariado, ao paraíso da propriedade comum? A prova de que o povo ainda não é capaz, é que ele não o faz. O que fazer para chegar à expropriação?

Nosso objetivo é preparar o povo, moral e materialmente, para esta expropriação necessária; é tentar renovar a tentativa, tantas vezes quantas a agitação revolucionária nos der a ocasião para fazê-lo, até o triunfo definitivo. Mas de que maneira podemos preparar o povo? De que maneira podemos realizar as condições que tornarão possível, não somente o fato material da expropriação, mas a utilização, em vantagem de todos, da riqueza comum?

Nós dissemos mais acima que a propaganda, oral ou escrita, sozinha, é impotente para conquistar para as nossas idéias toda a grande massa popular. É preciso uma educação prática, que seja alternadamente causa e resultado da transformação gradual do meio. Deve-se desenvolver pouco a pouco nos trabalhadores o senso da rebelião contra as sujeições e os sofrimentos inúteis dos quais são vítimas, e o desejo de melhorar suas condições. Unidos e solidários, lutarão para obter o que desejam.

E nós, como anarquistas e como trabalhadores, devemos incitá-los e encorajá-los à luta, e lutar com eles.

Mas estas melhorias são possíveis em regime capitalista? Elas são úteis do ponto de vista da futura emancipação integral pela revolução?

Quaisquer que sejam os resultados práticos da luta pelas melhorias imediatas, sua principal utilidade reside na própria luta. É por ela que os trabalhadores aprendem a defender seus interesses de classe, compreendem que os patrões e os governantes têm interesses opostos aos seus, e que não podem melhorar suas condições, e ainda menos se emancipar, senão unindo-se entre si e tornando-se mais fortes do que os patrões. Se conseguirem obter o que desejam, viverão melhor. Ganharão mais, trabalharão menos, terão mais tempo e força para refletir sobre as coisas que os interessam; e eles sentirão de repente desejos e necessidades maiores. Se não obtiverem êxito, serão levados a estudar as causas de seu fracasso e a reconhecer a necessidade de uma união maior, de maior energia; e compreenderão, enfim, que para vencer, segura e definitivamente, é preciso destruir o capitalismo. A causa da revolução, a causa da elevação moral dos trabalhadores e de sua emancipação só pode ganhar, visto que os operários unem-se e lutam por seus interesses.

Todavia, uma vez mais, é possível que os trabalhadores consigam, no estado atual em que as coisas se encontram, melhorar de fato suas condições? Isto depende do concurso de uma infinidade de circunstâncias. Apesar do que dizem alguns, não existe nenhuma lei natural (lei dos salários) que determine a parte que vai para o trabalhador sobre o produto de seu trabalho. Ou, se se quiser formular uma lei, ela não poderia ser senão a seguinte: o salário não pode descer normalmente abaixo do que é necessário à conservação da vida, e não pode normalmente se elevar a ponto de não dar mais nenhum lucro ao patrão. É óbvio que, no primeiro caso, os operários morreriam, e, assim, não receberiam mais salário; no segundo caso, os patrões deixariam de fazer trabalhar e, em conseqüência, não pagariam mais nada. Mas entre estes dois extremos impossíveis, há uma infinidade de graus, que vão das condições quase animais de muitos trabalhadores agrícolas, até aquelas quase decentes dos operários, em boas profissões, nas grandes cidades.

O salário, a duração da jornada de trabalho e todas as outras condições de trabalho são o resultado das lutas entre patrões e operários. Os primeiros procuram pagar aos trabalhadores o mínimo possível e fazê-los trabalhar até o esgotamento completo; os outros se esforçam – ou deveriam se esforçar – em trabalhar o mínimo e ganhar o máximo possível. Onde os trabalhadores se contentam com qualquer coisa e, mesmo descontentes, não sabem opor resistência válida aos patrões, são em pouco tempo reduzidos à condição de vida quase animal. Ao contrário, onde eles têm uma elevada idéia do que deveriam ser as condições de existência dos seres humanos; onde sabem se unir e, pela recusa ao trabalho e pela ameaça latente ou explícita da revolta, impor que os patrões os respeitem, eles são tratados de maneira relativamente suportável. Assim, pode-se dizer que, em certa medida, o salário é o que o operário exige, não enquanto indivíduo, mas enquanto classe.

Lutando, portanto, resistindo aos patrões, os assalariados podem opor-se, até certo ponto, à agravação de sua situação, e, até mesmo, obter melhorias reais. A história do movimento operário já demonstrou esta verdade.

Não se deve, entretanto, exagerar o alcance destas lutas entre explorados e exploradores no terreno exclusivamente econômico. As classes dirigentes podem ceder, e cedem amiúde, às exigências operárias expressadas com energia, enquanto não são muito grandes. Contudo, quando os assalariados começam – e é urgente que eles o façam – a reivindicar aumentos tais que absorveriam todo o lucro patronal e constituiriam, assim, uma expropriação indireta, é certo que os patrões apelariam ao governo e procurariam reconduzir os operários, pela violência, às condições de todos os escravos assalariados.

E antes, bem antes que os operários possam reivindicar receber em compensação ao seu trabalho o equivalente a tudo que produziram, a luta econômica se torna impotente para assegurar destino melhor.

Os operários produzem tudo, e sem seu trabalho não se pode viver. Parece, portanto, que recusando trabalhar, os trabalhadores poderiam impor todas as suas vontades. Mas a união de todos os trabalhadores, mesmo de uma única profissão, em um único país, e dificilmente realizável: à união dos operários se opõe a união dos patrões. Os primeiros vivem com o mínimo para sobreviver no dia a dia e, se fazem greve, falta-lhes o pão logo a seguir. Os outros dispõem, por meio do dinheiro, de tudo o que foi produzido; podem esperar que a fome reduza os assalariados à sua mercê. A invenção ou a introdução de novas máquinas torna inútil o trabalho de grande número de trabalhadores, aumentando o exército de desempregados, que a fome obriga a se venderem a qualquer preço. A imigração traz, de repente, nos países onde as condições são mais favoráveis, multidões de trabalhadores famintos que, bem ou mal, dão ao patronato o meio de reduzir os salários. E todos estes fatos, resultando necessariamente do sistema capitalista, conseguem contrabalançar o progresso que eles detêm e destroem. Desta forma, resta sempre este fato primordial segundo o qual a produção no sistema capitalista está organizada por cada empregador para seu proveito pessoal, não para satisfazer as necessidades dos trabalhadores.

A desordem, o desperdício das forças humanas, a penúria organizada, os trabalhos nocivos e insalubres, o desemprego, o abandono das terras, a subutilização das máquinas etc, são tantos males que não se podem evitar senão retirando dos capitalistas os meios de produção, e, por via de conseqüência, a direção da produção.

Os operários que se esforçam em se emancipar, ou aqueles que de fato procuram melhorar suas condições, devem rapidamente se defender do governo, atacá-lo, pois ele legitima e sustenta, pela força brutal, o direito de propriedade, ele é obstáculo ao progresso, obstáculo que deve ser destruído se não se quiser permanecer indefinidamente nas atuais condições, ou em outras ainda piores.

Da luta econômica deve-se passar para a luta política, quer dizer, contra o governo. Ao invés de opor aos milhões dos capitalistas os poucos centavos reunidos penosamente pelos operários, é preciso opor aos fuzis e aos canhões que defendem a propriedade os melhores meios que o povo encontrar para vencer pela força.

Programa Anarquista - Errico Malatesta - parte 4

4. A luta política

Por luta política entendemos a luta contra o governo. O governo é o conjunto dos indivíduos que detêm o poder de fazer a lei e de impô-la aos governados, isto é, ao público.
O governo é a conseqüência do espírito de dominação e de violência que homens impuseram a outros homens, e, ao mesmo tempo, é a criatura e o criador dos privilégios, e também seu defensor natural.

É falso dizer que o governo desempenha hoje o papel de protetor do capitalismo, e que este último tendo sido abolido, ele se tornaria o representante dos interesses de todos. Antes de mais nada, o capitalismo não será destruído enquanto os trabalhadores, tendo se livrado do governo, não tiverem se apoderado de toda a riqueza social e organizado, eles próprios, a produção e o consumo, no interesse de todos, sem esperar que a iniciativa venha do governo, que, de resto, é incapaz de fazê-lo.
Se a exploração capitalista fosse destruída, e o princípio governamental conservado, então, o governo, distribuindo todos os tipos de privilégios, não deixaria de restabelecer um novo capitalismo. Não podendo contentar todo mundo, o governo necessitaria de uma classe economicamente poderosa para sustentá-lo, em troca da produção legal e material que ela receberia dele.

Não se pode, portanto, abolir os privilégios e estabelecer de modo definitivo a liberdade e a igualdade social sem por fim ao Governo, não a este ou àquele governo, mas à própria instituição governamental.

Nisso, assim como em tudo o que concerne ao interesse geral, e mais ainda este último, é preciso o consentimento de todos. Eis porque devemos nos esforçar em persuadir as pessoas de que o governo é inútil e nocivo, e de que se vive melhor sem ele. Mas, como já o dissemos, a propaganda sozinha é impotente para alcançar tudo isso; e se nos contentássemos em pregar contra o governo, esperando, de braços cruzados, o dia em que as pessoas estariam convencidas da possibilidade e da utilidade de abolir por completo toda espécie de governo, este dia nunca chegaria.

Denunciando sempre esta espécie de governo, exigindo sempre a liberdade integral, devemos favorecer todo combate por liberdades parciais, convictos de que é pela luta que se aprende a lutar. Começando a provar a liberdade, acaba-se por desejá-la inteiramente. Devemos sempre estar com o povo; e quando não conseguirmos fazer com que queira muito, devemos fazer com que, pelo menos, ele comece a exigir alguma coisa. E devemos nos esforçar a que aprenda a obter por si mesmo o que quer – pouco ou muito –, e a odiar e a desprezar quem quer que vá ou queira fazer parte do governo.

Visto que o governo detém, hoje, o poder de regular, por leis, a vida social, ampliar ou restringir a liberdade dos cidadãos, e visto que ainda não podemos arrancar-lhe esse poder, devemos procurar enfraquecê-lo e obrigá-lo a fazer uso dele o menos perigosamente possível. Mas, esta ação, devemos fazê-la sempre de fora e contra o governo, pela agitação na rua, ameaçando tomar pela força o que se exige. Jamais deveremos aceitar uma função legislativa, seja ela nacional ou local, pois, assim agindo, diminuiríamos a eficácia de nossa ação e trairíamos o futuro de nossa causa.

A luta contra o governo consiste, em última análise, em luta física e material.

O governo faz a lei. Deve, portanto, dispor de força material (exército e polícia) para impor a lei. De outra forma, obedeceria quem quisesse, e não existiria mais lei, mas uma simples proposição, que qualquer um seria livre para aceitar ou recusar. Os governos possuem esta força e servem-se dela para reforçar sua dominação, no interesse das classes privilegiadas, oprimindo e explorando os trabalhadores.

O único limite à opressão governamental é a força que o povo se mostra capaz de lhe opor. Pode haver conflito, aberto ou latente, mas sempre há conflito. Isso se dá porque o governo não para diante do descontentamento e da resistência populares senão quando sente o perigo de uma insurreição.

Quando o povo se submete docilmente à lei, ou o protesto permanece fraco e platônico, o governo se acomoda, sem se preocupar com as necessidades do povo. Quando o protesto é vivo, insiste e ameaça, o governo, segundo seu humor, cede ou reprime. Mas é preciso sempre chegar à insurreição, porque, se o governo não cede, o povo acaba por se rebelar; e, se ele cede, o povo adquire confiança em si mesmo e exige cada vez mais, até que a incompatibilidade entre a liberdade e a autoridade seja evidente e desencadeie o conflito.

É, portanto, necessário preparara-se moral e materialmente para que, quando a luta violenta eclodir, a vitória fique com o povo.

A insurreição vitoriosa é o fato mais eficaz para a emancipação popular, porque o povo, depois de ter destruído o jugo, torna-se livre para se entregar às instituições que ele crê (sempre retardatária) e o nível de civismo que a massa da população alcançou, pode ser superada com um salto. A insurreição determina a revolução, isto é, a atividade rápida das forças latentes acumuladas durante a evolução precedente.

Tudo depende do que o povo é capaz de querer.

Nas insurreições passadas, o povo, inconsciente das verdadeiras causas de seus males, sempre quis bem pouco, e conseguiu bem pouco.

O que desejará nas próximas insurreições?

Isso depende em grande parte do valor de nossa propaganda e da energia que formos capazes de mostrar.

Devemos incitar o povo a expropriar os proprietários e a tornar comuns seus bens, organizar, ele próprio, a vida social, por associações livremente constituídas, sem esperar ordens de ninguém, recusar nomear ou reconhecer qualquer governo e qualquer corpo constituído (Assembléia, Ditadura, etc) que se atribuíssem, mesmo a título provisório, o direito de fazer a lei e impor aos outros sua vontade, pela força.

Se a massa popular não responde ao nosso apelo, deveremos, em nome do direito que temos de ser livres, mesmo se os outros desejarem permanecer escravos, para dar o exemplo, aplicar o máximo possível nossas idéias: não reconhecer o novo governo, manter viva a resistência, fazer com que as comunas, onde nossas idéias são recebidas com simpatia, rejeitem toda ingerência governamental e continuem a viver de seu modo.

Deveremos, sobretudo, nos opormos por todos os meios à reconstituição da polícia e do exército, e aproveitar toda ocasião propícia para incitar os trabalhadores a utilizar a falta de forças repressivas para impor o máximo de reivindicações.

Qualquer que seja o resultado da luta, é preciso continuar a combater, sem trégua, os proprietários, os governantes, tendo sempre em vista a completa emancipação econômica e moral de toda a humanidade.

5. Conclusão

Desejamos, portanto, abolir de forma radical a dominação e a exploração do homem pelo homem. Queremos que os homens, unidos fraternalmente por uma solidariedade consciente, cooperem de modo voluntário com o bem-estar de todos. Queremos que a sociedade seja constituída com o objetivo de fornecer a todos os meios de alcançar igual bem-estar possível, o maior desenvolvimento possível, moral e material. Desejamos para todos pão, liberdade, amor e saber.
Para isso, estimamos necessário que os meios de produção estejam à disposição de todos e que nenhum homem, ou grupo de homens, possa obrigar outros a obedecerem à sua vontade, nem exercer sua influência de outra forma senão pela argumentação e pelo exemplo.
Em conseqüência: expropriação dos detentores do solo e do capital em proveito de todos e abolição do governo.
Enquanto se espera: propaganda do ideal: organização das forças populares; combate contínuo, pacífico ou violento, segundo as circunstâncias, contra o governo e contra os proprietários, para conquistar o máximo possível de liberdade e de bem-estar para todos.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Ninguém representa ninguém! Represente a si mesmo - não guilhotine sua vontade própria... O seu voto é sua cabeça, fique com ele. Eleições? Submissão!


Representação não é Democracia!

Caso perguntássemos a algum dos grandes pensadores do iluminismo francês, Rousseau, Voltaire, Montesquieu ou Diderot, o que era democracia, eles certamente que diriam que, primeiro, era uma coisa do passado, e segundo que não voltaria jamais, que nunca este sistema originário na Grécia antiga e recorrente no princípio da República Romana voltaria às sociedades modernas. Naqueles tempos, fins do século XVIII, não existia no mundo nenhum exemplo vivo de democracia. A França vivia sob uma monarquia decadente, ostensiva e autoritária, a Inglaterra, que após a revolução gloriosa, teve instaurado seu parlamento, tampouco poderia ser chamada de democrática, posto que no parlamento os lordes representavam à si mesmos, seus próprios interesses, e não às massas que continuavam miseráveis nos becos sujos das cidades e nos campos feudais britânicos. O resto do mundo vivia sob monarquias, desde os impérios do Oriente, até as estepes russas. Apenas as nações indígenas da América do Sul e as tribos dos pele-vermelhas norte-americanos tinham sociedades diferentes, mas que não vem ao caso, por serem demasiado isoladas.

Em 1776, ocorreu a Independência Americana, que significou uma experiência totalmente nova. Os colonos recém independentes se viram na tarefa de administrar seus territórios por conta própria. Não queriam, evidentemente, a Monarquia Parlamentarista inglesa, da qual acabavam de se ver livres, nem a considerada obsoleta e inoperante democracia grega, onde todos os cidadãos votavam diretamente na Assembléia, envolvidos em todos os acontecimentos políticos da sociedade, o que se mostrava ineficaz para os americanos.

Lembremos de que a democracia grega não era eletiva. Ninguém era eleito para tomar as decisões políticas. As questões mais importante para a Cidade-Estado eram votadas pelos cidadãos reunidos na Ágora ou comissões eram formadas por indicação e revezamento, para tratar dos temas menores. Uma grande invenção daqueles tempos foi o princípio da isonomia, que determina que todos são iguais, politicamente falando. Fosse aristocrata, fosse artesão, filósofo ou marinheiro, se estivesse na condição de cidadão ateniense, o voto de cada um tinha o mesmo peso. As eleições, portanto, eram consideradas impróprias por serem avessas a essa isonomia. Uma eleição é basicamente a escolha dos “melhores” para determinado cargo, e os “melhores” eram sempre necessariamente aristocratas, que eram aqueles que eram donos das terras e tinham recursos para se darem ao luxo de terem muito tempo livre, esse dedicado à educação, contrariando a idéia da igualdade entre eles e da decisão nas mãos de todos. Assim, o que era de grande importância era decidido pelo total de cidadãos presentes, fossem quantos fossem.

De volta para as 13 Colônias, os dominantes que estavam à frente da independência não queriam jamais uma democracia, pois se todos fossem participar igualmente do processo decisório, achavam que cada um buscaria unicamente seus interesses individuais, sendo assim, a política se tornaria uma imensa somatória de egoísmos. Era preciso encontrar uma terceira possibilidade, que evitasse essa busca limitada aos interesses pessoais, o que tornava o governo um caos. James Madison, um dos influentes intelectuais da independência, propôs essa outra via, o Princípio da Representação. Seria a escolha da minoria pela maioria. Esta minoria seria encarregada de cuidar de todos os assuntos políticos, uma classe representando a maioria que os elegeu. O que garantiria que essa minoria não fissesse o mesmo que os outros, trabalhando em prol apenas deles mesmos? O fato de que eles foram elevados àquele nível por um contigente de pessoas que, se se sentissem que os eleitos não defendiam os interesses gerais, não votaria neles novamente.

Naqueles anos agitados, início do século XIX, a sociedade ocidental era dita comercial, marcada pela divisão do trabalho, onde cada indivíduo tinha uma especialidade pela qual se diferenciava dos demais. Um era ferreiro, outro comerciante de ferraduras, outro fazendeiro, outro estaleiro, e assim por diante. O tempo que precisavam dedicar aos seus assuntos particulares era majoritário. Sobrava pouco tempo para outras coisas. Todos os problemas e preocupações de suas ocupações individuais não deixava muito espaço para as preocupações coletivas. Daí surgia um problema - se as pessoas, em seus nichos de atuação, não tinham tempo para cuidar da questão pública, quem cuidaria? Mais um motivo então para a criação da classe política, essa minoria “dedicada” integralmente aos assuntos públicos, dos quais não conseguiam dar contas as demais pessoas, nem nunca tiveram o costume de o fazer. Todas as sociedades estavam acostumados com regimes ditatoriais que impunham a vontade de uma elite. A população nunca esteve incumbida de gerenciar a sociedade, com exceção da restrita democracia grega.

Sendo assim, quando a solução da representação foi proposta, todos consideraram conveniente, ou simplesmente se abstiveram, pela força do hábito, de opinar a respeito. Com a promulgação da primeira constituição escrita da história, nasceu também a primeira nação federativa e presidencialista. Foi o início da confusão entre Democracia e Representação. Aproveitaram-se das idéias de Montesquieu sobre os três poderes em que deveriam ser divididos o Estado - Executivo, Legislativo e Judiciário - organizando, desta forma, aquela realidade paralela, a da política governamental e eleitoral. Como sempre, as decisões políticas estavam em outra esfera distante da vida popular.

Essa condição de classe detentora do poder decisório sobre o interesse comum criou o “princípio da distinção”, uma diferenciação entre a classe política e as demais. Já que as pessoas delegaram à terceiros as decisões sobre os interesses comuns, elas se colocavam distantes desses assuntos. O poder de ação, regulação e direção sobre a sociedade continuou nas mãos de alguns poucos. Aconteceu que o Rei se transformou em uma comissão de reis (vulgo, parlamentares), vários indivíduos dotados de poder superior ao de qualquer indivíduo comum, pela legitimação institucional (fictícia) dada pelo voto, pois criou-se o mito de que A Nação, O Povo (transformada(o) em uma entidade supra-indivíduo) escolheu e cabe a todos obedecer.

Em seu livro Os Princípios do Governo Representativo, Bernard Manin constata que aos representantes são distintos dos representados, e são os primeiros que possuem a prerrogativa de definir o que é ‘interesse público’. Destituída, ou então, delegada a preocupação com os próprios interesses, que dentro do todo, são ditos ‘públicos’, cada indivíduo continuou, como sempre esteve nas épocas monárquicas, longe e desinteressado da política. Esta distância permitiu àqueles elevados ao cargo político adquirirem para si privilégios, semelhantes aos da nobreza da Idade Média. Controle sobre a riqueza da nação, existente na forma de impostos, tornou predominante na “classe política” a cupidez indiscriminada, a busca pela própria riqueza, pela sempre crescente influência, pelo fortalecimento da tal distinção.

A desigualdade entre os homens é legitimada por ser parte integrante imprescindível na forma de governar. O caráter aristocrático do sistema representativo, que colocou no pedestal eleitoral todos os hereditários poderosos, construiu-se na mentalidade da manutenção desse poder. As polícias e os exércitos se constituem, conseqüentemente, nas forças materiais capazes de assegurar a perpetuação da ordem vigente, para que os indivíduos não possam mais requerer o direito delegado de decidirem sobre eles mesmos.

Há também a invenção dos partidos. Fez-se preciso a organização dos indivíduos interessados em ingressar na vida pública, nas eleições, no poder governamental. Nem mesmo entre o pequeno grupo dedicado ao poder existiu em alguma época da humanidade unidade, portando, as forças afins entre si se juntaram e criaram as corporações políticas, chamadas partidos. À exemplo das antigas guildas medievais, onde os artesãos se associavam para auxilio mútuo, a fim de controlar os demais e garantir-lhes certos monopólios e seguranças, sendo vetada a entrada de qualquer novo artesão sem a permissão da guilda específica, os partidos construíram-se como esfera exclusivista (diga-se também excludente), sendo única porta legal para o sistema eleitoral. Cria-se assim um monopólio até mesmo das eleições, pois caso algum grupo que se oponha excessivamente ao sistema vigente, ele é rapidamente deslegalizado e impedido de tomar parte no governo, como aconteceu por tantos anos com o Partido Comunista Brasileiro durante o século XX.

Hoje, se os rótulos do PCB e suas ramificações permaneceram, sua essência, para manter-se ‘legal’ no sistema, teve que igualar-se aos demais, para não gerar nenhum atrito estrutural. No cenário conjuntural, as rivalidades partidárias continuam imensas, assim como foram constantes e ininterruptas as guerras entre senhores feudais na antiguidade, sem, no entanto, contestação da instituição da monarquia, ou, modernamente, do sistema representativo.

Se antes a intenção do pluripartidarismo era oferecer diversas opções para os variados tipos de pensamentos individuais que quisessem ingressar na política, hoje o objetivo comum a todos os partidos de tomar controle do poder e dos privilégios serviu para igualar todas essas entidades. Nenhuma cogita perder seu posto sob a sombra das vantagens do poder, nenhuma ousa mexer nas estruturas de seu próprio palácio, a não ser para ampliá-lo. Jamais para abrir para outras pessoas as portas desse ‘paraíso’.

“É preciso que as coisas mudem um pouco para que nada mude”. Caiu a monarquia, veio a República Representativa. Parece que houveram mudanças, mas não. O egoísmo sob nova forma. A distinção entre o povo e os mandatários tornou-se tão grande que os últimos viram-se praticamente livres dos outros, independentes para fazer o que bem entenderem, dispor dos recursos nacionais como der na telha, declarar guerra ou firmar acordos com quem lhes for mais interessante e vantajoso, enfim, administrar o de todos como uma grande propriedade fortemente disputada, uma coroa cobiçadíssima.

Atualmente o Executivo, Senado e a Câmara são praticamente autarquias, que não devem grandes satisfações à ninguém, dando-se ao direito de tornar sigiloso o que não for interessante tornar público (como se o próprio e mentiroso sistema não dissesse que tudo já não é público) - como é o caso dos arquivos da ditadura e dos registros das corrupções de todos os mandatos -, decretando como segredo nacional ações capciosas demais para serem divulgadas, enfim, escondendo tudo o que não deve ser vistos pelos inocentes eleitores, representados. "É preciso manter a ordem!"

O Judiciário nada mais é do que um braço a mais dos dois outros poderes, o Executivo e Legislativo, não tendo grandes poderes de combater as ingerências dos mesmos. Os três poderes, no final das contas, principalmente aqui no Brasil, tornaram-se uma incompreensível (para os leigos) mesa de negociações partidárias, onde as influências e poderes são cedidos e tomados todo o tempo e onde nada se faz sem os pagamentos e distribuição de posições e cargos a um e a outro. Alguém se lembra de que no surgimento do Feudalismo, os Reis distribuíram terras entre os nobres para comprar-lhes apoio? Pois bem, insaciados, os senhores ainda assim conspiram e fazem cair coroas, ou no mínimo as impossibilitam de fazer qualquer movimento, sem os devidos pagamentos.

A política moderna não se faz sem os acordos e concessões à base governista e à oposição. Nada acontece sem primeiro terem que distribuir tantos ministérios para partido A, tantas secretarias para partido B e tantos acordos e contratos com partido C, empreiteira D, corporação E, Oligarquia F, Coronelado G, imprensa H, fazendeiros I, industriais J e o alfabeto inteiro de responsabilidades, subornos e pressões políticas dos interesses privados. O interesses público, que supostamente deu início à espoliação da população, é mera fachada, bandeira branca da paz, que garante a continuação de tudo.

Representação não é democracia. Não se pode acreditar nessa falácia. Não existe nenhuma democracia na face da Terra. Nenhuma nação, onde a vasta maioria utiliza demagogicamente o termo de “democrática”, pode dizer isso. O que existe são incontáveis ditaduras minoritárias, governadas por grupos elitistas numericamente insignificantes, mas poderosíssimos devido às ‘instituições’ da propriedade privada e do dinheiro, que dá à esses homens o “direito” de estarem acima dos demais, sejam milhares ou milhões.

Há ditadura? Sim, há. Ditaduras mascaradas sob o véu de constituições meticulosamente desenhadas para soarem como abrangentes a todos os supostos cidadãos, mas que na prática são mantos protetores das injustiças e desigualdades, baluartes da propriedade privada e da autoridade impositiva e opressiva, defensora do sistema marcantilizador dos homens, onde de almas à corpos podem ser quantificados em cifras, sendo vidas investimentos, prejuízos ou descartáveis.

Considerando a sustentabilidade do sistema representativo antidemocrático, como poderia ser ele considerado viável se as populações são tão numerosas que um punhado de indivíduos, ainda que se considerasse que estes se dedicassem unicamente ao bem público (o que não é nem nunca será verdade), não são suficientes para dar cabo de todas as demandas? Resultado é que as necessidades sociais, econômicas e produtivas dos países se arrastam, se atrasam, se engavetam e se ignoram, pois um punhado de deputados e senadores não podem estar encarregados das necessidades de milhões de pessoas. Como poucas secretarias e ministérios podem dar conta de todas as ruas, todas as casas, praças, escolas, hospitais e locais de lazer de uma cidade, estado, país? Não podem, e esses aspectos da vida social acabam ignorados e sucateados por irresponsável concentração de poder.

Deterioram-se continuamente as cidades e os campos, mortificados pelas mazelas sociais da pobreza, injustiça, violências contra o meio ambiente e as camadas populares, entupimento do crescente tráfego rodoviário, sufocação pela expansão desorganizada da área urbana, concentração fundiária sanguinária, pautada pelo lucro e não pela fome, expulsando o homem da terra, exclusão dos desfavorecidos, exploração dos desesperados, assassinatos irrefreáveis, frutos da desigualdade e opressão. Os problemas e as mortes se generalizam e banalizam, até que a autodestruição ponha fim a essa insânia, ou que as pessoas percebam que não podem se deixar representar e construam sociedades desinchadas e sustentáveis, baseadas na solidariedade e participação voluntária de todos numa sociedade humanizada, motivada pelas necessidades gerais dos homens, pela felicidade de todos, ao invés de santificar os lucros que não têm nos homens qualquer importância.

Representação não é democracia! Desmistifiquemos e combatamos essa mentira, não permitindo que a perversidade do sistema use a ilusão da democracia para sua legitimidade. Sem esse escudo ideológico, a estrutura se corroerá, pois se perceberá que ninguém está incluso a menos que abdique da vida e do futuro, numa existência mortífera, entorpecente e falsa. Representação não é democracia. A decisão sobre sua vida não está em suas mãos. Votar é apenas negar o seu próprio caminho. Eleição é o mecanismo ludibriador popular. Ninguém lhe representa a não ser você. Se represente.
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Texto baseado em palestra de Renato Lessa, Cientista Político, exibido na TV Cultura no dia 19 de Maio de 2008, no programa Invenção do Contemporâneo, além de informações complementares, pesquisa e reflexão.