sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

A insustentável frieza do ter – Admirável mundo ‘novo’ o nosso, espetáculo e riqueza banhados à sangue...

Empregabilidade ou Mortalidade Servil


O trabalho é o meio de sobrevivência fundamental da sociedade humana. Existem aqueles poucos que herdam fortunas ou são sustentados por terceiros a vida inteira, escapando do ciclo do trabalho, mas apesar das exceções, todos precisam “por lei” social, encontrar numa profissão os alicerces para sua subsistência.

É justa e necessária esta regra, esta condição existencial, para a construção de qualquer sonho ou plano do ser humano, seja ele econômico, cultural, social ou tecnológico, afinal, por trabalho entende-se justamente a concretização de idéias, a ação com fim produtivo.

Ajustando-se ao contexto coletivo, cada ser humano passou a buscar formas de ‘tornar-se útil’, procurando aprender ofícios, adquirindo conhecimentos, criando ou fabricando, em parceria ou a serviço de seus conterrâneos. Com o desenvolvimento do sistema político-econômico ocidental, o capitalismo, originado nas relações de escambo, estruturando-se como comércio, passando pelo mercantilismo, até sua fase atual, criou-se o conceito de empregador e empregado, ou aquele dono dos meios de produção e aquele gerador de mercadorias.

No princípio, quando os trabalhos eram ainda primitivos e não havia grande aperfeiçoamento técnico, qualquer pessoa estava apta a desempenhar a grande maioria das tarefas com poucos conhecimentos. As especificidades ocorriam apenas quando importavam as características físicas, em caso de serviços que demandassem maior força física, no caso de um carregador, um guerreiro, ou resistência, se fosse um mensageiro, e assim por diante, mas, de resto, todos eram potencialmente iguais.

No entanto, com os avanços tecnológicos, as coisas foram mudando, passando por duas etapas; a primeira foi durante a Revolução Industrial, quando o trabalhador foi mecanizado e qualquer qualificação tornou-se desnecessária, bastando realizar movimentos repetitivos, fase a qual se estendeu até recentemente e ainda existe em alguns lugares atrasados do mundo; a segunda fase é a que vivemos hoje, onde a tecnologia avançou tanto e tão rapidamente que para lidar com ela faz-se necessária elevada qualificação, excluindo repentinamente a grande massa de operários acostumados a não exigência de tal atributo.

Existe também outro fator decisivo nesse processo histórico, a dominação e a exploração. Quando o primeiro homem cercou uma determinada parcela de terra, a qual até então era comunitária, criou-se a relação (muitas vezes conflituosa, outras acomodada) entre os que tinham terras e os que se sujeitavam a esses primeiros. Com o passar do tempo, os proprietários começaram a perceber que para evitar problemas com seus servos, melhor era criar algum tipo de “lei superior” à qual eles temessem, justificando, assim, a “organização natural dos seres”, e fazendo dos súditos criaturas dóceis. Neste objetivo foram criadas as primeiras religiões teocêntricas que instauraram, em certos casos, a força maior do(s) ‘deus(es)’, dos quais eram os dominantes ‘representantes’ (como acontecia com os egípcios), ou em outros, o dominante ‘era’ o próprio ‘deus’ (à exemplo dos mesopotâmicos), merecendo respeito inquestionável, por ser esta a ‘ordem natural’.

Os séculos correram, muitas civilizações prosperaram e pereceram, e algumas coisas tiveram que mudar para que tudo continuasse como sempre foi. O teocentrismo foi substituído por toda uma elaborada cultura do capital, baseada no individualismo, hedonismo, ganância, competição irracional e egoísmo ilimitado, fazendo dos trabalhadores ainda servos dos donos dos meios de produção (a posse destes passou a representar o poder, antes obtido pela posse de terras). Da mesma forma em que os serventes trabalhavam apenas para sua sobrevivência, para não morrerem de fome, a grande massa de trabalhadores modernos aceitam receber salários de fome sem a menor contestação.

A sociedade tornou-se muito mais complexa do que era na antiguidade, possibilitando ‘inovações’/‘aberrações’ como nos casos de trabalhadores que ascendem ao posto de patrão, mas de forma geral, pouco mudou, inclusive a constante contradição do sistema capitalista, a qual permanece a mesma através dos séculos. Contradição esta que cria paradigmas “imutáveis” como “sempre haverá pobres” ou “o desemprego é necessário para o progresso”, ferramentas fundamentais da ‘cultura da acomodação’, instrumento do controle social, da contenção de danos derivados dos paradoxos absurdos do sistema.

A empregabilidade, ou seja, a construção das ‘condições pessoais ideais’ (condições técnicas, acadêmicas, psicológicas, físicas, interpessoais, etc) para tornar o indivíduo atrativo para as empresas que podem empregá-lo desenvolveu-se, principalmente na Terceira Revolução Industrial, na Era da Informação. Porém uma série de fatores está acentuando dramaticamente o lado perverso do sistema, encaminhando-o para grandes instabilidades e perspectivas autodestrutivas.
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Fatores como o próprio avanço tecnológico, o qual, voltado para a otimização da produtividade, trata de excluir da produção a participação do homem, com a crescente automação da agricultura, indústria e serviços, aumentando constantemente o montante de desempregados. Situação que puxa outro fator, a grande quantidade de desempregados cria uma reserva de trabalhadores que servem como pressão contra os salários, forçando-os para baixo.
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Já que todo empregado tornou-se facilmente substituível, visto o grande número de pessoas desejosas pelas mesmas vagas, e sujeito à demissão, ninguém ousa contestar a supressão de seus direitos trabalhistas, de sua dignidade, de sua humanidade, tudo subserviente ao instinto maior da sobrevivência.
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Além disso, com tantos desempregados e com salários cada vez mais baixos, quem consumirá a imensa e crescente produção, fruto de fábricas altamente mecanizadas? Sem consumidores, grandes prejuízos sucedem-se, gerando a necessidade do corte de custos, e o primeiro corte é a folha de pagamento. Ou seja, mais desemprego, pobreza generalizada, precarização da ‘qualidade de vida’.
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Percebendo a diminuição de seus consumidores, a maioria dos empresários, movidos por impulsos meramente financeiros, sem nenhuma noção ou preocupação com o bem-estar social, investe os vultuosos lucros em mega-campanhas publicitárias, para programar os consumidores restantes a consumirem ainda mais, para repor o investimento, esvaziar as imensas prateleiras do sistema e gerarem ainda mais lucros.
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Mais, mais, mais, mais... o capitalismo consiste basicamente nisto – Mais lucro, mais riqueza, mais concentração, mais investimentos, mais produção, mais consumo, mais avanço tecnológico, mais desemprego, mais pobreza, mais fome, mais morte, mais miséria, mais destruição, mais guerras, mais... nada.

O maior problema do sistema e sua maior contradição é sua insustentabilidade, pois não vê limites para a produção nem para o consumo, nem para o egoísmo ou individualismo. O sistema ignora totalmente o limite dos recursos e o bem-estar comum. Um sistema de excessos, baseado na mortalidade servil. A morte, fruto do sangue, da fome, da pobreza e da guerra. O prazer, o luxo, a ‘abundância’ e a ordem (opressão), paladinos do sistema, escondem atrás deles os cavaleiros apocalípticos – Morte, fome, peste e guerra.



“A Terra é capaz de suprir as necessidades de todos os homens, mas não a ganância de todos os homens” Mahatma Gandhi

Um comentário:

Bicicletadanatal disse...

Muito explicativo...

"É culpa do capitalismo". Apesar de ser malhada, essa frase não deixou de estar certa.

Abraço