segunda-feira, 16 de junho de 2008

Programa Anarquista - Errico Malatesta - parte 4

4. A luta política

Por luta política entendemos a luta contra o governo. O governo é o conjunto dos indivíduos que detêm o poder de fazer a lei e de impô-la aos governados, isto é, ao público.
O governo é a conseqüência do espírito de dominação e de violência que homens impuseram a outros homens, e, ao mesmo tempo, é a criatura e o criador dos privilégios, e também seu defensor natural.

É falso dizer que o governo desempenha hoje o papel de protetor do capitalismo, e que este último tendo sido abolido, ele se tornaria o representante dos interesses de todos. Antes de mais nada, o capitalismo não será destruído enquanto os trabalhadores, tendo se livrado do governo, não tiverem se apoderado de toda a riqueza social e organizado, eles próprios, a produção e o consumo, no interesse de todos, sem esperar que a iniciativa venha do governo, que, de resto, é incapaz de fazê-lo.
Se a exploração capitalista fosse destruída, e o princípio governamental conservado, então, o governo, distribuindo todos os tipos de privilégios, não deixaria de restabelecer um novo capitalismo. Não podendo contentar todo mundo, o governo necessitaria de uma classe economicamente poderosa para sustentá-lo, em troca da produção legal e material que ela receberia dele.

Não se pode, portanto, abolir os privilégios e estabelecer de modo definitivo a liberdade e a igualdade social sem por fim ao Governo, não a este ou àquele governo, mas à própria instituição governamental.

Nisso, assim como em tudo o que concerne ao interesse geral, e mais ainda este último, é preciso o consentimento de todos. Eis porque devemos nos esforçar em persuadir as pessoas de que o governo é inútil e nocivo, e de que se vive melhor sem ele. Mas, como já o dissemos, a propaganda sozinha é impotente para alcançar tudo isso; e se nos contentássemos em pregar contra o governo, esperando, de braços cruzados, o dia em que as pessoas estariam convencidas da possibilidade e da utilidade de abolir por completo toda espécie de governo, este dia nunca chegaria.

Denunciando sempre esta espécie de governo, exigindo sempre a liberdade integral, devemos favorecer todo combate por liberdades parciais, convictos de que é pela luta que se aprende a lutar. Começando a provar a liberdade, acaba-se por desejá-la inteiramente. Devemos sempre estar com o povo; e quando não conseguirmos fazer com que queira muito, devemos fazer com que, pelo menos, ele comece a exigir alguma coisa. E devemos nos esforçar a que aprenda a obter por si mesmo o que quer – pouco ou muito –, e a odiar e a desprezar quem quer que vá ou queira fazer parte do governo.

Visto que o governo detém, hoje, o poder de regular, por leis, a vida social, ampliar ou restringir a liberdade dos cidadãos, e visto que ainda não podemos arrancar-lhe esse poder, devemos procurar enfraquecê-lo e obrigá-lo a fazer uso dele o menos perigosamente possível. Mas, esta ação, devemos fazê-la sempre de fora e contra o governo, pela agitação na rua, ameaçando tomar pela força o que se exige. Jamais deveremos aceitar uma função legislativa, seja ela nacional ou local, pois, assim agindo, diminuiríamos a eficácia de nossa ação e trairíamos o futuro de nossa causa.

A luta contra o governo consiste, em última análise, em luta física e material.

O governo faz a lei. Deve, portanto, dispor de força material (exército e polícia) para impor a lei. De outra forma, obedeceria quem quisesse, e não existiria mais lei, mas uma simples proposição, que qualquer um seria livre para aceitar ou recusar. Os governos possuem esta força e servem-se dela para reforçar sua dominação, no interesse das classes privilegiadas, oprimindo e explorando os trabalhadores.

O único limite à opressão governamental é a força que o povo se mostra capaz de lhe opor. Pode haver conflito, aberto ou latente, mas sempre há conflito. Isso se dá porque o governo não para diante do descontentamento e da resistência populares senão quando sente o perigo de uma insurreição.

Quando o povo se submete docilmente à lei, ou o protesto permanece fraco e platônico, o governo se acomoda, sem se preocupar com as necessidades do povo. Quando o protesto é vivo, insiste e ameaça, o governo, segundo seu humor, cede ou reprime. Mas é preciso sempre chegar à insurreição, porque, se o governo não cede, o povo acaba por se rebelar; e, se ele cede, o povo adquire confiança em si mesmo e exige cada vez mais, até que a incompatibilidade entre a liberdade e a autoridade seja evidente e desencadeie o conflito.

É, portanto, necessário preparara-se moral e materialmente para que, quando a luta violenta eclodir, a vitória fique com o povo.

A insurreição vitoriosa é o fato mais eficaz para a emancipação popular, porque o povo, depois de ter destruído o jugo, torna-se livre para se entregar às instituições que ele crê (sempre retardatária) e o nível de civismo que a massa da população alcançou, pode ser superada com um salto. A insurreição determina a revolução, isto é, a atividade rápida das forças latentes acumuladas durante a evolução precedente.

Tudo depende do que o povo é capaz de querer.

Nas insurreições passadas, o povo, inconsciente das verdadeiras causas de seus males, sempre quis bem pouco, e conseguiu bem pouco.

O que desejará nas próximas insurreições?

Isso depende em grande parte do valor de nossa propaganda e da energia que formos capazes de mostrar.

Devemos incitar o povo a expropriar os proprietários e a tornar comuns seus bens, organizar, ele próprio, a vida social, por associações livremente constituídas, sem esperar ordens de ninguém, recusar nomear ou reconhecer qualquer governo e qualquer corpo constituído (Assembléia, Ditadura, etc) que se atribuíssem, mesmo a título provisório, o direito de fazer a lei e impor aos outros sua vontade, pela força.

Se a massa popular não responde ao nosso apelo, deveremos, em nome do direito que temos de ser livres, mesmo se os outros desejarem permanecer escravos, para dar o exemplo, aplicar o máximo possível nossas idéias: não reconhecer o novo governo, manter viva a resistência, fazer com que as comunas, onde nossas idéias são recebidas com simpatia, rejeitem toda ingerência governamental e continuem a viver de seu modo.

Deveremos, sobretudo, nos opormos por todos os meios à reconstituição da polícia e do exército, e aproveitar toda ocasião propícia para incitar os trabalhadores a utilizar a falta de forças repressivas para impor o máximo de reivindicações.

Qualquer que seja o resultado da luta, é preciso continuar a combater, sem trégua, os proprietários, os governantes, tendo sempre em vista a completa emancipação econômica e moral de toda a humanidade.

5. Conclusão

Desejamos, portanto, abolir de forma radical a dominação e a exploração do homem pelo homem. Queremos que os homens, unidos fraternalmente por uma solidariedade consciente, cooperem de modo voluntário com o bem-estar de todos. Queremos que a sociedade seja constituída com o objetivo de fornecer a todos os meios de alcançar igual bem-estar possível, o maior desenvolvimento possível, moral e material. Desejamos para todos pão, liberdade, amor e saber.
Para isso, estimamos necessário que os meios de produção estejam à disposição de todos e que nenhum homem, ou grupo de homens, possa obrigar outros a obedecerem à sua vontade, nem exercer sua influência de outra forma senão pela argumentação e pelo exemplo.
Em conseqüência: expropriação dos detentores do solo e do capital em proveito de todos e abolição do governo.
Enquanto se espera: propaganda do ideal: organização das forças populares; combate contínuo, pacífico ou violento, segundo as circunstâncias, contra o governo e contra os proprietários, para conquistar o máximo possível de liberdade e de bem-estar para todos.

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